Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”

23.9

Vivemos tempos em que se debate muito a relação da Igreja e do Cristão com o Estado e as autoridades civis. O texto de hoje é sem dúvida um dos mais mencionados em estudos bíblicos ou teológicos, pois ele fala explicitamente sobre o tema. É interessante analisar que o que motivou esse discurso de Jesus foi a provocação de escribas e sacerdotes que tentavam enredar o Senhor em alguma palavra que o colocassem em alguma situação difícil perante os romanos, que não aceitavam qualquer tipo de rebelião militar ou resistência aos impostos.

A resposta de Jesus em uma pergunta retórica é simples e desfaz a artimanha de seus opositores: “Mostrai-me um denário. De quem é a efígie e a inscrição?”. Ao apontarem para a imagem de César, o Senhor demonstra que não se opõe ao pagamento de impostos às autoridades deste mundo, pois eles têm uma esfera de atuação que é concedida pelo próprio Deus.

Sobre isso, Paulo ensina em Romanos 13.1-7: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas”. E o apóstolo também afirma que “De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus”, concluindo que devemos pagar a todos o que lhes é devido: “a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra”. E é nesta mesma linha de pensamento que Jesus desafia seus opositores no sentido de mostrar que a sujeição a Deus inclui entregar a César o que é de César e a Deus o que é Deus.

De quem é a efígie (imagem) na moeda? De César. Então, dê a César o que é de César. E de quem é a imagem que cada ser humano carrega em si? De Deus. Então, dê a Deus o que é de Deus. César pode ter uma área de atuação na sociedade, mas a vida do ser humano pertence integralmente a Deus.

O Estado moderno é posto como laico, o que significa que não pode ser dominado pela religião e nem impor uma religião. Esse ensino de Cristo não estabeleceu esse modelo de Estado, mas lançou uma abertura para que viesse a existir. Jesus tirou de César (governo, rei, Estado) o domínio da vida espiritual das pessoas. Somente Deus pode ter autoridade da vida das pessoas, e a elas cabem se submeter a César somente naquilo para que César, como autoridade, foi constituído. Nas diferentes tradições teológicas, essa separação leva a diferente teorias, como da subsidiariedade na Igreja Católica, os dois reinos da teologia luterana, e a doutrina das esferas conforme os neo-calvinistas. Apesar das diferenças entre si, todas essas linhas do pensamento cristão são fruto do ensino de Cristo que a César se dá somente o que pertence a ele, que este não deve dominar todas as áreas da vida e da sociedade de forma totalitária.

Contudo, isso pode ser aplicado não somente à nossa relação com as autoridades civis e com o governo, mas também com todas as outras esferas sociais. Um professor em sala de aula é autoridade como professor na área em que deve estar lecionando, não devendo doutrinar seus alunos sobre assuntos para além de sua formação. O artista deve exercer seu talento para admiração do belo por parte de seus expectadores. O empresário precisa ter liberdade econômica para investir e gerir seus recursos para o fim proposto e poder prestar um serviço ou oferecer produtos sem o embaraço e o peso excessivo do Estado por forma de tributação ou regulação abusivas. Os pais dentro de casa devem ter autoridade sobre a vida dos seus filhos acima do Estado e até mesmo da Igreja. A Igreja não pode ser proibida de oferecer o livre exercício de culto aos seus fiéis ou membros. No entanto, todas essas autoridades, em suas diferentes esferas, não podem adentrar indevidamente nas demais. Ao mesmo tempo, todas elas são constituídas por Deus, e assim cada ser humano deve se relacionar com cada uma de acordo com seu papel em submissão a Cristo, seja governamental, econômico, educacional, artístico, familiar,  e assim por diante.

O Catecismo Maior de Westminster ensina na pergunta 124 sobre o significado das palavras “pai e mãe”, no quinto mandamento: “Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres uma longa vida sobre a terra que o Senhor teu Deus te há de dar”:

Que significam as palavras “pai” e “mãe”, no quinto mandamento?
As palavras “pai” e “mãe”, no quinto mandamento, abrangem não somente os próprios pais, mas também todos os superiores em idade e dons, especialmente todos aqueles que, pela ordenação de Deus, estão colocados sobre nós em autoridade, quer na Família, quer na Igreja, quer no Estado.

Portanto, o ensinamento de Jesus de dar a César o que é de César reforça a aplicação desse mandamento, de respeitar as autoridades da família, da Igreja e do Estado, inclusive aquelas pessoas que fora desses âmbitos tenham uma proeminência etária, ou de conhecimento ou de dons. Por outro lado, jamais essa submissão deve contrariar a Palavra de Deus, que lhes conferiu essa autoridade, nem deve se estender à atuação irregular de suas prerrogativas, pois isso ultrapassa os limites estabelecidos.

Leia os versículos 19 a 26 de Lucas 20. Reflita sobre como tem sido sua relação com as autoridades que o Senhor colocou sobre sua vida: com seus pais, se ainda são vivos, para honrá-los; com a honestidade perante o Estado no pagamento de impostos e o cumprimento das leis; em sala de aula com seus professores; na Igreja com seus pastores; com sua chefia de trabalho. Ore para que Deus te dê a humildade e a sabedoria para honrar essas autoridades, a fim de que Deus seja também honrado através de sua vida, pois a Ele é devida toda honra e toda glória.

Lucas 20.19-26

¹⁹ Naquela mesma hora, os escribas e os principais sacerdotes procuravam lançar-lhe as mãos, pois perceberam que, em referência a eles, dissera esta parábola; mas temiam o povo.

²⁰ Observando-o, subornaram emissários que se fingiam de justos para verem se o apanhavam em alguma palavra, a fim de entregá-lo à jurisdição e à autoridade do governador.

²¹ Então, o consultaram, dizendo: Mestre, sabemos que falas e ensinas retamente e não te deixas levar de respeitos humanos, porém ensinas o caminho de Deus segundo a verdade;

²² é lícito pagar tributo a César ou não?

²³ Mas Jesus, percebendo-lhes o ardil, respondeu:

²⁴ Mostrai-me um denário. De quem é a efígie e a inscrição? Prontamente disseram: De César. Então, lhes recomendou Jesus:

²⁵ Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

²⁶ Não puderam apanhá-lo em palavra alguma diante do povo; e, admirados da sua resposta, calaram-se.


Foto de Irina Iriser no Pexels

Warton Hertz is the Partnership Coordinator of Barnabas Aid Brazil. He graduated from UniRitter Law School, also from Martin Bucer Theological Seminary, and a Master of Theology and Ethics from EST – Superior School of Theology.