inha mãe de 93 anos de idade morreu no hospital com dores excruciantes. Ela havia sido internada às pressas, reclamando de dores nos pulmões. Com o passar dos dias, a intensidade da dor foi aumentando. Ela foi diagnosticada com câncer. Logo a ferocidade do câncer era tal que ela mal conseguia respirar. Às vezes ela gritava de dor. Ao lado da cama, olhando para ela, eu me senti impotente, mas segurar sua mão parecia dar algum conforto a ela. Ela morreu agarrada a uma cruz que me havia pedido que levasse.
Enquanto eu estava sentado com minha mãe, orei para que Deus interviesse, para curar se fosse Sua vontade, para dar a ela a graça de suportar a dor, ou para a levar para que ela fosse libertada de seu sofrimento. Mas Deus estava em silêncio, ou assim parecia.
Crescendo através do sofrimento
Estudos acadêmicos demonstraram que eventos traumáticos como doenças, acidentes ou luto podem trazer mudanças positivas como uma maior apreciação da vida, mudanças nas prioridades, relações mais afetivas e uma maior sensação de força pessoal.
Estes traumas podem abalar não apenas nossas expectativas de vida, mas também nossas identidades se, por exemplo, um fanático por exercícios físicos for repentinamente atingido pelo Covid e mal conseguir respirar ou se mover. Os Cristãos devem ter maior resistência a isto do que os não crentes, pois nossa confiante expectativa do céu e nossa identidade em Cristo jamais mudarão.
De acordo com a psicóloga Emma Kavanagh, a grande maioria daqueles que sofrem um único trauma severo acaba voltando ao seu nível de funcionalidade pré-trauma. Uma pequena porcentagem fica permanentemente incapacitada pelo estresse pós-traumático e outra pequena porcentagem usa a experiência traumática criativamente e aprende a florescer após a adversidade. Estes últimos podem considerar seu sofrimento como tendo produzido algo positivo – mas isso leva tempo.
Alguns aprendem a florescer após muitos anos de sofrimento. Eu conheço dois “Eastenders” que cresceram na pobreza do leste de Londres. Ambos sofreram abusos físicos e sexuais em suas casas na infância. Ambos foram cercados por bullying, manipulação, engano e cobiça. Mas de alguma forma eles sobreviveram com seus próprios princípios de honestidade e compaixão intactos. No final da adolescência, eles se conheceram por acaso e acabaram se casando. Eles criaram um lar estável e amoroso para seus filhos, e também cuidaram com sacrifício de todos à sua volta. Verdadeiramente eles encontraram uma maneira de serem frutíferos após a adversidade.
Alexander Soljenítsin, um dissidente Soviético, passou uma década em campos de trabalho Gulag e exílio interno, após o qual retornou à fé Cristã de sua infância e escreveu:
Abençoada seja, prisão, por ter estado em minha vida. Pois ali, deitado sobre a palha apodrecida da prisão, cheguei à conclusão de que o objetivo da vida não é a prosperidade como somos levados a crer, mas a maturidade da alma humana.
Não “seguimos em frente” do sofrimento como se nada tivesse acontecido. Afinal, o próprio Jesus ainda tem suas cicatrizes no céu (Apocalipse 5.6). Mas com a resiliência dada por Deus, e aprendendo com o exemplo do próprio Jesus, nós, seus seguidores, podemos crescer através do sofrimento. Nossa fé pode ser fortalecida, nossa capacidade de suportar e ajudar aos outros pode ser aumentada, nossa comunhão com Cristo pode estar mais próxima, nossa alegria e gratidão podem ser maiores, e podemos estar melhor preparados para nosso lar celestial.
A compaixão Divina e o sofrimento de Jesus
Como Cristãos, estamos conscientes do conforto e do apoio do Deus Trino. Ele é o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação (2 Coríntios 1.3) que diz,
Eu, eu mesmo, sou quem o consola. (Isaías 51.12)
Este é um consolo que vai além da compaixão, pois o significado original de “consolo” era dar força e coragem. A palavra Hebraica nachamu do Antigo Testamento indicava uma forte emoção, incluindo o consolo na dor e o alívio encontrado ao ver nossas circunstâncias de uma perspectiva eterna.
O Filho de Deus se tornou como nós, sofrendo as mesmas tentações e provações (Hebreus 2.17-18), sejam elas físicas, psicológicas, emocionais ou espirituais. Ele é, portanto, capaz de se compadecer de nós (Hebreus 4.15).
Ele foi tentado pelo diabo (Mateus 4.1-11). Ele experimentou a pobreza e a falta de moradia (Lucas 9.58). Ele estava familiarizado com a dor da rejeição, do isolamento e de ser mal compreendido. Ele sentia pelos sofrimentos dos outros, sejam as multidões aflitas e desamparadas (Mateus 9.36); os doentes; os párias da sociedade, como os leprosos, os cobradores de impostos e as mulheres de má reputação; ou Sua própria mãe desolada aos pés da cruz. Ele chorou pela dor de seus amigos enlutados (João 11.33-35). Ele chorou pela teimosia pecaminosa do povo de Jerusalém e pelo desastre que estavam causando a si mesmos (Lucas 19.41-44).
Podemos ter certeza de que Sua compaixão e compreensão se estendem a toda variedade de sofrimento humano que podemos suportar, quer Ele o tenha experimentado ou não durante sua vida terrena. Por exemplo, Ele entende a tortura de ver um ente querido lentamente perdido para a demência – uma experiência cada vez mais comum em algumas sociedades de hoje – e chora com aqueles que choram. Ele entende a perplexidade, a frustração e o medo do próprio paciente com demência, e está com eles em seu isolamento quando ninguém mais os pode acessar. Ele entende a dor de nossos sentimentos de culpa e arrependimento, mesmo que Ele, o puro e sem pecado Santo de Deus, nunca tenha pecado e nunca tenha tomado nenhuma decisão que não estivesse de acordo com a vontade de Seu Pai.
Jesus tinha inimigos buscando O eliminar e foi entregue a esses inimigos por um de Seus amigos. Aquele que tantas vezes tinha ido orar sozinho pediu, em Seu limite, que seus três amigos mais próximos ficassem com Ele enquanto lutava em oração. No entanto, eles não conseguiram ficar acordados e, em poucas horas O abandonaram completamente, assim como o resto dos Doze. Quando os amigos de Jesus falharam com Ele, um anjo veio para O fortalecer, mas mesmo assim Seu suor caiu como gotas de sangue, tão grande foi o horror que Ele enfrentou. Em poucas horas Ele havia sido falsamente acusado e considerado culpado em uma série de audiências legais absurdas. Sua provação física final começou com um flagelo cruel e terminou com a crucificação.
Sua provação espiritual, mal podemos começar a imaginar. Como deve ser para Deus esvaziar-se e tornar-se nada, um mero humano (Filipenses 2.7)? Como deve ser para Aquele que era o resplendor da glória de Deus (Hebreus 1.3) e “o querido da alma do Pai”3, sofrer tal degradação? Como deve ser para Aquele por quem todas as coisas foram feitas ser rejeitado por Sua própria criação, até mesmo Seu próprio povo (João 1.3,10,11)? Como deve ser para o Santo puro e sem pecado suportar os pecados do mundo? Como deve ser para Deus, o Filho, ser separado de Deus, o Pai? Que agonia de abandono estava por trás de Seu grito: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”? (Marcos 15.34)? O primeiro mártir, Estêvão, foi abençoado com uma visão do céu, Deus e Jesus, que o deve ter fortalecido para a provação da morte por apedrejamento (Atos 7.55-60). Mas Jesus teve a experiência oposta: em Sua hora de maior necessidade, o céu se fechou para Ele e Ele foi separado de Seu Pai celestial por nossos pecados.
A terceira Pessoa da Trindade, o Espírito Santo, também se compadece de nós e nos sustenta em nosso sofrimento. Isto é resumido no Novo Testamento pela palavra parakletos. Um parakletos era um aliado, um conselheiro, um defensor no tribunal, mas o significado básico era alguém que vinha ao lado de outra pessoa para encorajar e apoiar. O Divino parakletos nos enche de coragem e força, permitindo que nos mantenhamos firmes. A palavra é traduzida em muitas versões Bíblicas como “conselheiro” (João 14.16,26; 15.26; 16.7).
“Este lhe ferirá a cabeça” (Gênesis 3.15)
Recordar que Deus já derrotou Satanás pode nos ajudar a lidar com isso. Como já vimos,4 Gênesis 3.15 explica como a luta perpétua de Satanás com a Igreja começou, assim como prediz sua derrota final, que começou com a vitória de Jesus na cruz. Ao morrer por nossos pecados (descrito pelos teólogos como expiação substitutiva) Cristo triunfou sobre Satanás.
Mesmo em sua agonia de morte, porém, os esforços de Satanás para trazer depravação, destruição e morte são às vezes muito bem sucedidos.
“Deus planejou isto para o bem”.
Mas Deus pode frustrar os planos de Satanás. “Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem”, disse José aos insensíveis irmãos que haviam planejado assassinar (Gênesis 37.18-28; 50.20). Na providência de Deus, porém, eles o venderam e José mais tarde salvou inúmeras vidas quando veio a fome.
O conhecimento da capacidade de Deus de tirar o bem do mal pode dar esperança no sofrimento. Faz parte da perspectiva eterna com a qual devemos tentar ver nossas dificuldades atuais. Pode nos ajudar a “dar graças em todas as circunstâncias” (1 Tessalonicenses 5.18).
O sofrimento pode nos permitir amadurecer espiritualmente e nos tornar mais semelhantes a Cristo. Embora não devamos buscar o sofrimento, podemos acolher quando ele vem, porque faz parte do desenvolvimento de nossa fé por Deus para nos preparar, eventualmente, para a glória.
O poeta William Cowper (1731-1800), que teve repetidas crises de depressão severa, escreveu muitos hinos. Um se concentra particularmente em como a aflição pode ser uma bênção que um Cristão não procuraria evitar. Cowper provavelmente tinha em mente o versículo que nos dizia que “o SENHOR disciplina a quem ama” (Provérbios 3.12).
’’É minha felicidade adiante Encontrar uma grande cruz, Mas o poder do Salvador conhecer, Santificando cada perda: As provações devem e irão suceder; Mas com humilde fé ver O amor inscrito em todas elas - Isto é felicidade para mim. Deus em Sião lança as sementes De aflição, dor e labuta; Elas brotam, e sufocam as ervas daninhas O que iria espalhar o solo em excesso: As provações tornam a promessa doce; As provações dão nova vida à oração; As provações me trazem aos Seus pés, Me abaixam e me mantém lá.
Jó é um exemplo deste crescimento espiritual. Ele não recebe respostas quanto à razão de seu sofrimento. No entanto, ele nunca perde a esperança em Deus e acaba aprendendo a parar de perguntar por quê. Ele sabe que Deus está ali e encontra “alegria na dor implacável” sendo fiel a Ele (Jó 6.10).
Dando conforto aos outros
Nosso sofrimento nos capacita a consolar os outros em seu sofrimento, e isto, também, dá sentido e propósito ao nosso sofrimento. Temos o privilégio de consolar os outros com o conforto que nós mesmos recebemos de Deus (2 Coríntios 1.4). Muitos na profundidade do sofrimento foram encorajados por um hino escrito por George Matheson (1842-1906), em um momento de grande perda em sua vida, sobre o amor Divino que nunca nos abandona.
Amor! que não me largas nunca! Minh’alma achou descanso em Ti; Desejo dar-Te minha vida, A Ti, de quem a recebi, E só por Ti viver.
Outro hino escrito a partir de uma terrível tragédia pessoal tem o refrão:
Está bem, está bem com a minha alma. Horatio Spafford sofreu ruína financeira e a morte de seus cinco filhos. O tema de seu hino é que, apesar de nossas circunstâncias externas, o fato é que Cristo morreu para tirar nossos pecados e, portanto, tudo está bem com nossas almas. Além disso, ansiamos pelo céu e pela Segunda Vinda de Cristo. Tais esperanças eternas são justamente uma fonte de consolo para os crentes que sofrem, mesmo que estejam passando pelo colapso e desolação interior que alguns chamam de “noite escura da alma”. E, Senhor, apresse o dia em que a fé será vista, As nuvens se revolverão como um pergaminho, A trombeta ressoará e o Senhor descerá – Uma música na noite, oh minha alma!
Se o sofrimento não for aceito, ele nos amarga e pode destruir nossa fé. Pesquisas têm mostrado que o sofrimento pessoal (de si mesmo ou de outros) é uma causa importante de jovens que deixam as igrejas no Ocidente. Enquanto lutam com o problema de por que um Deus onipotente de amor permite o sofrimento, perdem sua fé.
Eu conheci uma dedicada mulher Cristã, casada com um homem de negócios de uma cidade próspera. Eles não tinham filhos e ela viajava frequentemente com ele. Uma vez ela me confidenciou que nunca havia conhecido o sofrimento. Finalmente ele se aposentou e ela esperava anos para desfrutar das coisas boas da vida com seu marido “só para ela”. Pouco depois, ela o encontrou morto no banheiro deles, onde ele havia escorregado e batido com a cabeça. Esta primeira experiência de sofrimento a destruiu. Ela foi consumida pela autopiedade e pela raiva diante do Deus que sempre adorou fielmente. Ela se tornou amarga e miserável e nunca se recuperou.
Aceitando o sofrimento
Os Cristãos tradicionalmente acreditam que em tempos de sofrimento eles podem experimentar a presença e o poder de Deus em um nível intenso e profundo, o que é impossível de alcançar em outros momentos. O Cristianismo, que tem no coração a dor da cruz, ensina os crentes a aceitar o sofrimento – não apenas a aceitar e a se submeter a ele – mas a recebê-lo, inclusive com alegria, como um meio de comunhão com Cristo. Finalmente, temos o exemplo de Jesus, o Servo sofredor, para nos mostrar como sofrer (1 Pedro 2.20-21) e para demonstrar que, nas palavras de Allen Ross, “o sofrimento é, no plano de Deus, o caminho para a glória”.